Há um tempo, desde janeiro deste ano (2025), venho exercitando novas possibilidades na criação musical, escrevendo poemas e criando melodias a partir dessas palavras. Um desejo escondido, que me reconecta com a minha adolescente, quinze, dezesseis anos atrás, quando fazia rolê na praça da Matriz de Votuporanga, tomando vodca barata e cantando Charlie Brown Jr.
Nessa época tinha uns dois amigos que mandavam músicas autorais e gostávamos muito, lembro da letra toda de uma delas, que cantávamos em coro. Um grupo de adolescentes de roupa preta, aroma de maria joana, cantando músicas de amor, que pensando bem até flertavam com uma parada sertaneja da época, mas éramos emo, claro.
Alguns anos depois esse grupo se dissipou e eu um tanto mais madura, me juntava ao pessoal do samba e mpb da cidade, que citavam grandes poetas e escreviam sobre boemia, macumba e dor de cotovelo, escola Cássio Jaber de sofrer. Nesse cenário, onde trocávamos com o pessoal da faculdade e a velha guarda da cidade, tive finalmente a percepção de que eu poderia ser artista. Eu já era, mas faltava eu aceitar. Meus amigos sempre me incentivaram muito até que decidi mudar pra São Paulo.
Nem sei explicar o que aconteceu, porque foi tanta informação nova, que eu sinto que passei os últimos oito anos estudando, complicando, escolhendo os caminhos mais difíceis, me colocando à prova numa parada que eu não conhecia direito. Comecei a produzir beats com o pessoal do beat brasilis e deu muito bom, uma brincadeira virou minha profissão. Talvez eu seja uma pessoa que não saiba conciliar. Eu parei de ser a Raiany do interior pra ser a Raiany de São Paulo que estudava produção musical. É como se o mergulho precisasse ser tão intenso que não sobrava ar e disposição para mais nada. Também tinha outra questão, conviver com pessoas que era fã me deixava um pouco receosa de mostrar a Raiany do interior. Com o tempo isso foi mudando, pois fui percebendo que eram apenas pessoas desenvolvendo trabalhos e pesquisas na arte, assim como eu, mas demorou, demora e talvez ainda exista essa trava na frente de alguns amigos artistas. A gente vai tirando essas camadas com um pouco de coragem, mas é meio chato encarar.
Da metade do ano passado pra cá, muitas questões profissionais passaram a me incomodar e de repente pareceu que eu tinha feito um grande esforço de anos em direção ao vazio existencial, ao nada, ao abismo. Claro que eu tava errada, mas a minha visão estava turva, eu tinha perdido a capacidade de sonhar. Ainda é recente, mas me sinto curada rs. Agora vejo que todo o drama e desconforto era o medo de fazer o que precisava ser feito, encerrar um ciclo, caminhar com simplicidade e humildade, recomeçar. O mais louco de tudo é que várias coisas que eram a princípio essenciais, se tornaram o meu veneno e a cura tá vindo do que eu considerava inseguro, arriscado.
Vou com fé, encontrando gente de todo o tipo pelo caminho, até eu mesma em idades diferentes.
Agora eu tô finalmente produzindo um álbum de músicas, depois de mais ou menos 16 anos de caminhada, 8 sendo esses últimos onde passei a me enxergar artista e mergulhei nessa loucura de viver do que eu crio.
Passei a última semana em uma residência artística muito especial, Con)))sonar um projeto de Marcos Felinto e Verónica Cerrotta, e lá tive muitas provocações e uma delas foi de apresentar uma nova performance sugerida por Murillo Marques vulgo Antigo. Conversando com Preta Velha que também era residente, me veio que preciso colocar na minha arte a realidade que quero habitar, que me envolva com cuidado e carinho. O público vai absorver o final do processo, vai consumir e vai esquecer, já eu, vou colocar tijolo por tijolo desse universo, rebocar as paredes e escolher o teto pra me cobrir da chuva, então que seja um universo onde eu encontre calma, amor, tranquilidade. Isso é o que venho buscando nos processos de composição e produção, me harmonizar com a natureza, me abrir pra isso que vem vindo com um pouco mais de delicadeza.
Uma delicadeza infernal
:)
