a sucurizinha
- raianysinara
- 9 de mai.
- 4 min de leitura
Na última lua cheia, estava me sentindo bastante sensível e afim de ritualizar alguns pensamentos. Eu vario um tanto em acreditar e desacreditar de possibilidades místicas, mas nutro uma fé fiel à lua e aos ciclos naturais. A constância de ir e vir e as rotações que não falham em ressurgir me dão alguma certeza de que assim como o brilho, vem também a escuridão, a cheia, a seca, verão, inverno e a gente sendo um pedacinho de vida tentando se adaptar a acompanhar a imposição do tempo.
Lá pelas 17h30 peguei violão, vela, um banco e uma garrafa d'água. Sentei na beira do rio que fica numa posição de acompanhar o nascer dos grandes astros.
Nem lembro a última vez que tinha me organizado para ver a lua nascer. Era uma prática comum quando vivia no interior de São Paulo na adolescência, encontrar os amigos no pôr do sol e naturalmente ver a chegada dela em algum loteamento sem casas levantadas. Entendi a beleza dessa prática numa viagem à Capitólio-MG há uns 10 anos atrás. Estava com dois amigos, a viagem de carro tinha durado 8 horas, montamos as barracas e um deles sugeriu de andarmos 1h30 num morro mato adentro pra ficarmos mais alto e acompanhar a chegada de uma super lua. Confesso que não me animei muito pois estava muito cansada, mas eles me incentivaram e fomos. Éramos jovens de 20 e poucos anos, precisávamos viver tudo que havia pra viver.
Conseguimos chegar no topo do morro a tempo e com certeza foi a experiência mais linda e marcante que já tive. Não sei dizer se a lua estava realmente maior, mas impressão era de estarmos muito mais perto dela, como nunca antes e nunca depois até agora. Sempre que revisito essa memória, me admira a nossa falta de medo de algum bicho aparecer...
Pensando em ciclos, foi uma enorme quantidade de tempo até a última lua cheia, de abril, libra, rosa.
Coloquei meu banquinho na beira do rio, fiz umas fotos, tava com o pensamento de tocar algo, pegar uma inspiração. Era eu, o fim de tarde e os cachorrinhos correndo. Em menos de 2 minutos surgiu um menino de uns 6 - 7 anos vindo do rancho ao lado, sozinho. Disse que queria fazer carinho nos cachorros, mas os cachorros ficaram com medo e foram pra dentro de casa. Era bem conversador, contou da família e da escola e perguntou o que eu tava fazendo ali e eu disse: esperando a lua cheia que vai nascer ali perto da ponte bem grande.
A luz começou surgir no horizonte, com algumas nuvens cobrindo. O menino me contava que adorava estar ali mas não ia sempre pois tinha escola, apesar de não gostar de estudar. Até disse que pescava, mas o que ele mais amava era alimentar uma sucuri bebê que sempre aparecia quando ele vinha. Apareceu até ano passado, mas agora já não mais, estava grande e podia se alimentar sozinha. Eram grandes amigos.
O único questionamento que me veio diante dessa informação foi se a mãe dele sabia que ele estava alimentando cobras. Disse: claro que não né, eu pegava as iscas de peixe escondido, sentava ali no deck de madeira e ela vinha bem quietinha, comia e eu fazia carinho. Mas agora ela não tá vindo mais.
Ouvimos um grito agudo longe, era a mãe dele chamando pra irem embora pra cidade. Deu tchau e saiu correndo. Não perguntei seu nome, nem ele o meu.
Sem pensar muito na veracidade dos fatos, agradeci aos céus pela sucurizinha não estar mais frequentando a mesma beira de rio que eu, juntei minhas coisinhas e subi pra casa meio rápido.
Fico pensando que aviso foi esse?
Aqui o assunto das cobras é o mais comum, não teve um dia sequer que não falamos. É uma realidade. Uma jararaca entrou no carro do meu tio e por sorte conseguimos ver antes de entrar. Depois desse dia, eu passei a ter muitos sonhos com elas e estão sempre por aí na boca do povo.

Vancê talvez não conhece o veneno que as cobras têm
Pois elas, quando dá o bote, balança o guizo também
A cascavel traiçoeira quando ela quer se vingar
Balança o guizo contente na hora de ela pegar
A urutu é perigosa, de ruim não se manifesta
É cobra tão venenosa que traz uma cruz na testa
Jaracuçu, Deus nos livre quando ela chega a picar
Deixa o sinal de seus dentes e a cicatriz no lugar
Mas eu lhe digo a verdade, por cobra eu já fui picado
Por cascavel e caninana e urutu, este malvado
De todas já me livrei, desse veneno amargura
Existe um contra veneno, por isso tudo se cura
Mas tem uma cobra no mato, cabocla lá do sertão
Que traz veneno nos olhos e ataca no coração
Desta uma vez fui picado, um dia só por maldade
Que ainda trago o veneno, na cicatriz da saudade
Já vai fazer quase um ano que eu deixei o meu sertão
Por um veneno dos olhos que atingiu meu coração
Uma cabocla do mato que tanto mal tem me feito
Uma olhada me deu, foi um veneno perfeito
Esta cobra venenosa, cobra em forma de gente
Talvez da mais perigosa, pode matar de repente
Procurei tantos remédios, andei por toda cidade
Mas qual o que não existe nada que cure a saudade
Agora vou repetir a história mais dolorosa
Esta cabocla do mato é a cobra mais venenosa
Kommentare